Do otimismo da vontade às possibilidades em curso

Fev 19, 2021 | Capítulos, Publicações

Do otimismo da vontade às possibilidades em curso

Excerto:
Procurar interpretar o tempo que há de vir com as ferramentas da Antropologia, foi o objetivo de um trabalho nos Pirenéus de Aragão. Nele indaguei algumas das redes que produziam e trocavam bens e serviços, ocupavam espaços e territórios deixados livres pelo mercado, criavam novas localidades, afinal exemplos de alternativas possíveis ao capitalismo tardio em que vivemos. O ponto de partida foi a ideia de crise, sobretudo aquela que a partir de 2008, impôs a austeridade seletiva para grande parte do mundo. Nesse percurso, procurei argumentos para esconjurar o pessimismo das crises recorrentes e da crise que continua à espreita, intensificada pela degradação ambiental e climática, através dos exemplos de resistência da classe que vive do seu trabalho -a possibilidade estreita que nos afasta da barbárie. Sem grandes contemplações, o mundo que se fez global no nosso tempo de vida, não parece oferecer muitas alternativas à esperança de dias melhores.A política afunilou-se na gestão do possível, na melhor das hipóteses em alternância, não de modelos alternativos para a sociedade e os seus sentidos comuns, mas das equipas que gerem a escassez de recursos no paradoxo da maior montanha de riqueza acumulada que o planeta jamais viu. As ideologias, dadas como mortas e enterradas a partir de 1989, com a queda do muro de Berlim e o consequente triunfo do capitalismo sobre os países de influência soviética, são terreno ainda fértil para encarar o futuro e encontrar os caminhos que podemos ainda percorrer.

Sobre o livro:
Nesta obra, vários autores foram convidados a olhar para momentos do tempo em que, como escreveu Galeano, chove de baixo para cima. A partir de várias formações disciplinares, os investigadores que responderam ao repto olham para o tempo comum, para o dia anterior, para as rotinas que corroem, mas que também permitem sobreviver, para os fluxos de gente que se movimenta à procura de uma vida melhor, para a conquista da cidade e do espaço de reconhecimento, para as margens da vida, com as pequenas histórias das personagens secundárias, dos sobreviventes, dos subversivos, dos indígenas, daqueles que em narrativa estranha são entendidos como falhados, incompletos, fadados ao fracasso, irrelevantes. Conjugar o tempo longo, através da memória, do arquivo, da fotografia e da literatura, é um exercício a partir de um dado presente, num tempo de pandemia em que a duração parece ter coagulado. Contudo, convém retirar o tempo forte do baú, e escapar das debilidades presentistas do fim da história, do presente contínuo em que tudo parece confundir-se. A tanto nos propusemos, com esta obra destinada a interrogar os momentos de aceleração da história, os que os precedem e o lastro num tempo longo.

 

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