CEMA — Censura(s): um modelo analítico de processos censórios

Coordenadores:
Rita Luís (IP) & Rui Lopes (Co-IP)

Financiamento:
Fundação para a Ciência e Tecnologia (EXPL/COM-OUT/0831/2021)

Duração:
2022-2023

Site do Projecto

 

Resumo:
O CEMA é um estudo exploratório sobre as lógicas e práticas modernas de censura que pretende elaborar um modelo analítico a partir de um caso concreto – Portugal, sob o regime autoritário do Estado Novo (1933-1974). Partindo da questão funcional: como
funciona o sistema censório, o objectivo é criar um modelo analítico abrangente, incluindo os eixos de produção, circulação e recepção/consumo, assim como os seus amplos e heterogéneos mecanismos de silenciamento.

O interesse do CEMA decorre da constatação de que este conceito é transversal a diversos regimes políticos e épocas históricas e, portanto, a sociedades assentes em valores e conceitos que não são ahistóricos, mas, ainda assim, frequentemente sujeitas a entendimentos ahistóricos do conceito censura. Como tal, o CEMA reconhece a importância da criação de um modelo analítico em torno da relação dialética da censura baseada em regulamentos e alicerçada em instituições, de cariz religioso ou secular, e outras formas constitutivas de exclusão, perceptíveis nos vários domínios da produção e recepção de conteúdos e práticas de cultura e da comunicação, em constrangimentos ao usufruto das liberdades de expressão, cuja existência extravasa os sistemas políticos
baseados na repressão.

No CEMA abandonamos o modelo de comunicação linear, utilizado por Müller (2004) na sua conceptualização da censura enquanto sistema comunicativo, e adoptamos um modelo circular de comunicação que é também um circuito de cultura ( Hall, 1997; Gay et al., 1997). A produção e recepção de produtos culturais, incluindo ainda os processos de regulação, representação e identidade encontram-se articulados, como tal, a proposta de Hall (1997) e de Gay et al. (1997) oferece uma grelha analítica integradora da complexa articulação das várias instâncias do processo comunicacional onde a relação dialética entre a censura regulatória e os sistemas de exclusão estrutural incorporados e enraizados nas práticas e representações dos sujeitos, encontra densidade conceptual e operacionalidade.

Alguns autores, baseados em Foucault e Bourdieu, sublinham o papel estrutural que determinados constrangimentos adquirem na formulação do discurso. Este tipo de exclusão é por eles considerado uma forma de censura constitutiva ou estrutural (Burt, 1994; Holquist, 1994), porque é omnipresente, constituindo o substrato inerente ao próprio acto de fala. Estão subjacentes às ordens social, racial, classista, sexual e de género vigente em cada sociedade e à norma social que forja subjectividades. Embora vários autores (Darnton, 2015, Müller, 2004; Freshwater, 2004) realcem a importância de manter uma distinção entre os dois tipos de processos excludentes, argumentando que uma definição demasiado ampla do conceito de censura lhe retiraria a operacionalidade, tanto Müller como Freshwater admitem a importância de toda esta reflexão, e a segunda incorpora a necessidade de um modelo inclusivo, que vá além da acção do estado. No CEMA, partilhamos a necessidade de trabalhar com um conceito operacional de censura, a regulatória, mas, tal como Freshwater, julgamos que um modelo analítico de processos censórios realmente inovador tem de incluir a relação dialética que esta estabelece com a estrutura excludente estrutural de determinada sociedade. Portugal sob o Estado Novo torna-se um caso de estudo apelativo, dada a longa duração do regime, a sua ancoragem no substrato conservador já existente na sociedade portuguesa, fomentado pela sua acção e, finalmente, pela sua dimensão imperial que permite introduzir diferentes lógicas e conceitos de censura, em curso na Europa e nos territórios coloniais. Além do fácil acesso a bibliografia e arquivos, permite-nos reunir uma equipa de especialistas de diferentes áreas disciplinares como a História (política, cultural, internacional e dos media), a antropologia, a sociologia (incluindo a da comunicação), os estudos de tradução e de comunicação, que no decurso das suas investigações têm observado diferentes articulações e operacionalizações da lógica e prática da censura e controlo, no contexto português durante o período em questão. Neste sentido, este projecto inerentemente interdisciplinar dispõe de uma equipa também ela interdisciplinar que encontra na censura o elo de ligação entre o seu trabalho: o peso da mesma no campo literário e cultural (Nuno Medeiros, Daniel Melo, Júlia Leitão de Barros), as interacções com a cultura popular (Vera Marques Alves, Rui Lopes, Leonor Areal, Katrin Pieper) e nas questões de domínio colonial (Nuno Domingos, Catarina Valdigem Pereira, Daniel Melo, Rita Luís) e de género (José Ricardo Carvalheiro, Catarina Valdigem Pereira). Uma equipa apta a responder aos desafios dum projecto desta natureza.

Dado o carácter exploratório, o CEMA partirá da bibliografia existente sobre os âmbitos abrangidos pela censura, categorizando-a segundo as áreas de análise (legislação, actuação, suporte material, etc.), numa base de dados que incluirá o mapeamento dos instrumentos necessários a este estudo, de arquivos públicos à inclusão de outro tipo de fontes. A conceptualização, a arquitectura e o teste do modelo serão desenvolvidos em dois ciclos de workshops (online e presencial).

Equipa — IHC

Equipa externa

Bibliografia citada:

  1. Müller, Beate, “Censorship and Cultural Regulation: Mapping the Territory,” in Censorship & Cultural Regulation in the Modern Age, editado por Beate Müller, 1-26. Leiden: Brill, 2004. [link]
  2. Hall, Stuart, “The Work of Representation,” in Representation: Cultural Representations and Signifying Practices, editado por Stuart Hall, 15-64. Londres: SAGE Publications / Open University, 1997.
  3. du Gay, Paul, Stuart Hall, Linda Janes, Hugh Mackay & Keith Negus. Doing Cultural Studies: The Story of the Sony Walkman. Londres: SAGE Publications / Open University, 1997. [link]
  4. Burt, Richard (Ed.). The Administration of Aesthetics. Censorship, Political Criticism, and the Public Sphere. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994. [link]
  5. Holquist, Michael. “Introduction: Corrupt Originals: The Paradox of Censorship,” PMLA 109 (1994): 14-25. [link]
  6. Darnton, Robert. Censors at Work: How States Shaped Literature. Nova Iorque: W. W. Norton, 2015. [link]
  7. Freshwater, Helen, “Towards a redefinition of Censorship,” in Censorship & Cultural Regulation in the Modern Age, editado por Beate Müller, 225-242. Leiden: Brill, 2004. [link]

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