setembro, 2023
Detalhes do Evento
Conferência internacional que pretende fomentar uma abordagem global/internacional ao estudo da censura. Decifrando Censuras. Da regulação à produção de inexistências, do arquivo à internet: uma abordagem interdisciplinar Segundo
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Detalhes do Evento
Conferência internacional que pretende fomentar uma abordagem global/internacional ao estudo da censura.
Decifrando Censuras.
Da regulação à produção de inexistências, do arquivo à internet:
uma abordagem interdisciplinar
Segundo as tendências de pesquisa no Google, as palavras “censura” e “censorship” demonstram a importância da sua correlação com redes sociais (Youtube, Twitter, Facebook, etc.) e jovens mulheres famosas (Miley Cyrus, Megan Fox, Emma Watson, Lindsay Lohan no top 20 relativo a 2004-2022). Estes dois grandes temas, a economia e as normas morais, mostram como a censura se mantém como uma questão a enfrentar no presente.
Não são fenómenos novos, quer os aspectos de ordem económica, quer os de ordem moral têm acompanhado o processo de regulação institucional do espaço público e privado, desde que, com a invenção da imprensa, se abandonou a perseguição intermitente dos hereges e se sistematizou o controlo do impresso. Aliás, a perspectiva histórica permite observar a reorganização da metodologia censória que acompanha o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação: o cinema incentivou o sistema de códigos etários (Robertson 2005), o uso do telegrama e, posteriormente, do telefone permitiu agilizar o controlo exercido por instituições e agentes da censura.
Apesar da censura ser uma manifestação por excelência do exercício do poder, tendo sido historicamente exercida pelos sujeitos que mais peso têm na gestão do espaço público, nos processos económicos e nas instituições políticas (Martin 2016), nas últimas décadas o consenso em torno do significado da palavra censura esvaiu-se (Müller 2004; Moore 2013; Darnton 2014). Esse esboroamento é notório a partir do momento em que, no contexto das Culture Wars, nas décadas de 80 e 90, os académicos liberais americanos, ancorados em abordagens teóricas devedoras do trabalho de Michel Foucault (1978) ou Pierre Bourdieu (1991), demonstraram a existência de fenómenos censórios em contexto democrático (cf. Burt 1994; Post 1998).
As novas abordagens à censura continuam a admitir que o Estado possa exercer um controlo directo (repressão), mas também começaram a identificar o fenómeno censório com o controlo indirecto que este pode exercer (através de financiamentos, educação, história pública, etc.) e, sobretudo, começaram a exigir do Estado intervenções diretas de regulação do poder privado que impõe constrangimentos à expressão (Post 1998). Formas de “censura de mercado” que induzem à auto-censura (Jansen 1988) ou políticas como a “don’t ask, don’t tell” que abrangeu os homossexuais no Exército norte-americano, entre 1994-2011, foram englobadas num tipo de apagamento imbuído no tecido estrutural das sociedades (Butler 1998). Este carácter imbuído da censura nas sociedades tomou o nome de censura “constitutiva” ou “estrutural”, por oposição àquela que é exercida por instituições, como o Estado ou a Igreja, isto é, a censura regulatória. Nesse sentido, os fenómenos recentes de “cultura de cancelamento”, de abordagens “woke” à cultura e dos vieses dos algoritmos mostram como o fenómeno é socialmente estruturante.
Torna-se imperativo analisar estes fenómenos para distinguir cientificamente, por um lado, os processos censórios e, por outro lado, os discursos conservadores que – frente à emergência de vozes reivindicando legitimamente novos espaços de comunicação -, instrumentalizam a denúncia de uma dita censura para conservar privilégios e monopólios. Neste sentido, cabe aqui diferenciar boicotes e censuras, que não emergem dos mesmos lugares dentro dos sistemas de poder.
Somos conscientes que a participação numa conferência que pretende fomentar uma abordagem global/internacional ao estudo da censura tem não só implicações inerentes ao estudo do próprio tema, mas constitui também um desafio numa academia que, ao pensar-se global, se encontra materialmente limitada pelas contingências do sistema académico no momento actual, com as suas periferias, pressões sociais e políticas que influenciam a produção e disseminação intelectual.
>> 📎 Programa da conferência (PDF) <<
🔗 Link para transmissão via MS Teams (ID da Reunião: 325 454 320 467; Código de acesso: rKR6ff)
Chamada para comunicações
Convidam-se todas as interessadas e interessados nesta problemática a participar na conferência dentro dos quatro eixos abaixo elencados. Porém, existe abertura a propostas que abram novos caminhos, não sendo esta, portanto, uma lista exaustiva.
Eixo 1 – Modelos e metodologias de análise
Como abordar as interferências dos diferentes códigos inerentes à censura? Por um lado, a sociedade idealizada pela instituição, aquela hipoteticamente criada pelo seguimento estrito das normas regulatórias e, por outro, a sociedade realmente existente, com as suas referências, interdições, resistências plurais e criatividade em resposta às invisibilidades da censura. Interessa-nos a exploração de modelos que tomem em conta os seus diversos actores, contextos e implicações da censura nas relações interpessoais (familiares, íntimas, laborais, sociais).
Eixo 2 – Enquadramento do factor circulação internacional
A introdução da variável circulação permite questionar as fronteiras nacionais no estudo da censura. Interessam-nos abordagens que se focam em aspectos transnacionais e comparativos, quer introduzindo a noção de fluxo, quer focando-se na circulação da censura, dos censurados e de formas de resistência.
Eixo 3 – Meta-análise
Sendo a censura um fenómeno que desafia a capacidade interpretativa de diversos agentes, seria arrogante da parte do investigador não questionar a sua própria subjectividade e capacidade de análise. Qual o lugar que o erro interpretativo ocupa nos estudos sobre censura? Como navegar entre as intenções dos agentes, do produtor, a capacidade de mediar do próprio censor e as diversas camadas interpretativas subsequentes?
Eixo 4 – Implicações da censura
A prática censória é uma porta de entrada para análise do poder, culturas e construções políticas, religiosas e artísticas. Interessa-nos introduzir esta variável na produção da história política, económica, social e cultural.
Oradora/es convidados:
Nicole Moore, University of New South Wales (UNSW), Canberra, Austrália
Nicole Moore é professora de English e Media Studies na UNSW Canberra. Entre Setembro de 2022 e Julho de 2023 é Professora Visitante de Estudos Australianos no Centre for American and Pacific Studies (Centro de Estudos Americanos e do Pacífico) da Universidade de Tóquio. Tem como principal interesse de investigação a literatura australiana, a par da investigação interdisciplinar e comparativa nos domínios da história cultural, estudos de género e sexualidade, e da história do livro, com um interesse especial na censura. O seu livro de 2012 The Censor’s Library: Uncovering the Lost History of Australia’s Banned Books ganhou o prémio Walter McCrae Russell da Association for the Study of Australian Literature. Foi também coordenadora de livros colectivos editados recentemente sobre temas da censura literária a nível global ou da literatura australiana na República Democrática Alemã. A sua investigação dedica-se às questões em jogo nas culturas políticas da escrita e da leitura, e nas complexas relações da literatura, governança e história dentro e fora das fronteiras nacionais. A Prof. Moore foi visiting fellowship no Menzies Centre, no Kings College London; na English Faculty, da Universidade de Cambridge; nos Arquivos Nacionais da Austrália, e no Humanities Research Centre, Australian National University. Entre 2018 e 2022 foi Reitora Associada das Colecções Especiais da UNSW Canberra, promovendo a investigação, curadoria e parcerias utilizando os ricos materiais manuscritos e livros raros das colecções de alto nível da UNSW Canberra.
Robert Darnton, Carl H. Pforzheimer University Professor (Emérito), Harvard University, EUA
Robert Darnton estudou na Universidade de Harvard (A.B., 1960) e na Universidade de Oxford (B.Phil., 1962; D. Phil., 1964), onde foi Rhodes scholar. Após um breve período como jornalista do The New York Times, tornou-se membro da Society of Fellows em Harvard. Ensinou em Princeton de 1968 até 2007, quando se tornou Professor Carl H. Pforzheimer e Director da Biblioteca da Universidade em Harvard. Tem sido professor visitante em diversas universidades e institutos de estudos avançados e colaborado com entidades como a New York Public Library ou a Oxford University Press. Foi presidente da American Historical Association e da International Society of Eighteenth-Century Studies, tendo sido distinguido com uma MacArthur Prize Fellowship, um Prémio do National Book Critics Circle, uma condecoração de Chevalier of the Légion d’Honneur, uma National Humanities Medal, conferida pelo Presidente Obama em Fevereiro de 2012, e o Prix Mondial Cino del Duca, atribuído pelo Institut de France em 2013. Escreveu e editou muitos livros, incluindo The Business of Enlightenment: A Publishing History of the Encyclopédie (1979), The Great Cat Massacre and Other Episodes in French Cultural History (1984), Berlin Journal, 1989-1990 (1991), The Forbidden Best-Sellers of Prerevolutionary France (1995) e Censors At Work. How States Shaped Literature (2014).
Richard Burt, University of Florida, EUA
Richard Burt é Professor de Inglês na Universidade da Florida. Burt foi agraciado por uma bolsa Fulbright em Berlim, entre 1995-1996, leccionou na Freie Universität Berlin e na Universidade Humboldt. Actualmente encontra-se a escrever o livro “See Also: A Literary History of the Cross-Reference”. Burt tem publicações sobre uma ampla variedade de tópicos, incluindo censura, sendo autor de “Licensed By Authority: Ben Jonson and the Discourses of Censorship” (1993), o editor de “The Administration of Aesthetics: Censorship, Political Criticism, and the Public Sphere” (1994), cuja introdução se intitula “The New Censorship”, tendo também publicado um artigo em 1991 sobre uma reconstrução no Museu de Los Angels de uma exposição Nazi sobre “Degenerate Art” de 1937. Burt publicou um capítulo na colecção editada por Robert Post, “Censorship and Silencing: Practices of Cultural Regulation” (1998), com Jeffrey Wallen co-autorou um ensaio sobre código de fala no campus intitulado “Knowing Better: Sex, Cultural Criticism, and the Pedagogical Imperative in the 1990s” publicado na Diacritics em 1999, publicou um artigo versando sobre passaportes com chips, dois filmes de Alain Resnais, e ensaios sobre Adorno e Benjamin sobre destruição de livros em “Shelf-Life: Biopolitics, the New Media Archive, and ‘Paperless’ Persons,” (New Formations, 2012).
Envio de propostas
As propostas não deverão exceder as 400 palavras, devem incluir um título e ser acompanhadas de uma pequena nota biográfica (com um máximo de 100 palavras). As línguas de trabalho serão o português, o castelhano, o francês e o inglês. E-mail para submissão: decifrandocensuras@fcsh.unl.pt
Data limite de submissão: 30 de Abril 2023
Comissão organizadora
Adalberto Fernandes (IHC — NOVA FCSH / IN2PAST)
Andru Chiorean (National University of Political Science and Public Administration, Roménia)
Daniel Melo (CHAM — NOVA FCSH)
Mélanie Toulhoat (IHC — NOVA FCSH / IN2PAST)
Rita Luís (IHC — NOVA FCSH / IN2PAST)
Rui Lopes (IHC — NOVA FCSH / IN2PAST)
Referências
Bourdieu, Pierre (1991). Language and Symbolic power. Cambridge: Polity Press.
Burt, Richard (ed.) (1994). The Administration of Aesthetics: Censorship, Political Criticism and the Public Sphere, Minnesota: University of Minnesota Press.
Butler, Judith (1998). “Ruled out: vocabularies of the censor”. In: R. Post (ed.), Censorship and silencing: practices of cultural regulation, (247-259) LA: Getty research institute for the history of art.
Darnton, Robert (2014). Censors at Work. How states shaped Literature. NY: WW Norton.
Foucault, Michel (1978). The History of Sexuality: An Introduction. New York: Pantheon Books.
Jansen, Sue. (1988). Censorship: The Knot that Binds Power and Knowledge, New York: Oxford University Press.
Moore, Nicole (2013). “Censorship Is”. Australian Humanities Review, 54:45–65.
Müller, Beate (ed.) (2004). Censorship and Cultural regulation in Modern Age, Amesterdam/NY: Brill/Rodopi.
Martin, Laurent (ed.) (2016). Les Censures dans le Monde. XIXe-XXIe siècle. Rennes: Presses Universitaires de Rennes.
Post, Robert (ed.) (1998). Censorship and Silencing: Practices of Cultural Regulation. LA: Getty research institute for the history of Art and the Humanities.
Robertson, Jim (2005). The Hidden Cinema British film censorship in action, 1913–1975 (e-library). Routledge.
Conferência organizada no âmbito do projecto CEMA — Censura(s): um modelo analítico de processos censórios (EXPL/COM-OUT/0831/2021) financiado por fundos nacionais através da FCT — Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P.
Tempo
7 (Quinta-feira) 9:30 am - 8 (Sexta-feira) 5:30 pm
Organizador
Instituto de História Contemporânea — Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboacomunicacao.ihc@fcsh.unl.pt Avenida de Berna, 26C — 1069-061 Lisboa